O Poder Judiciário é frequentemente visto como a última linha de defesa da justiça e da equidade. Em tempos de crise, espera-se que ele garanta que os direitos fundamentais sejam preservados, mesmo diante de desafios emergenciais.
No entanto, um novo estudo revela que, em muitos casos, a aplicação seletiva da lei e decisões judiciais arbitrárias estão contribuindo para a erosão desses direitos, colocando em risco o próprio conceito de justiça e minando a confiança pública nas instituições judiciais.
A pesquisa, conduzida por uma equipe de especialistas e coordenada pelo jurista Marco Túlio Elias Alves, explora o conceito de estado de exceção, teorizado por Giorgio Agamben. Esse conceito descreve uma condição em que a lei pode ser temporariamente suspensa em nome de uma emergência, criando uma zona de indistinção entre o que é legal e ilegal.
O estudo foca, especificamente, em como o estado de exceção tem sido progressivamente normalizado no cenário jurídico contemporâneo, permitindo que juízes justifiquem a aplicação da lei de maneira seletiva, muitas vezes por conveniência ideológica.
Aplicação Seletiva da Lei e Erosão de Direitos
Um dos pontos centrais do estudo é a percepção crescente de que juízes escolhem aplicar a lei de acordo com suas próprias conveniências ou preferências ideológicas, tornando-se mais rígidos com determinados grupos e mais flexíveis com outros. Essa prática cria o que o estudo chama de “estado de exceção permanente”, onde os direitos fundamentais são suspensos ou reinterpretados conforme o contexto, e a proteção legal dos cidadãos torna-se incerta.
Essa aplicação seletiva é vista em uma variedade de cenários, incluindo casos de medidas protetivas, decisões que envolvem o direito de propriedade e até em questões de liberdade individual. A pesquisa mostra que, em muitos casos, a interpretação da lei não segue um padrão uniforme, levando a decisões que favorecem determinados grupos sociais ou interesses políticos.
O Impacto na Confiança Pública
Um dos dados mais alarmantes da pesquisa é o impacto desse comportamento judicial na confiança pública. Com base em entrevistas e questionários realizados com advogados, acadêmicos e cidadãos, o estudo revela que 83,1% dos entrevistados acreditam que juízes podem dar tratamento preferencial a pessoas ricas, e 87,7% acham que certos grupos são tratados com mais rigor do que outros.
Essa percepção reforça a ideia de que o sistema judicial, ao invés de ser o grande guardião da justiça, pode estar atuando como um agente de perpetuação de desigualdades. Para muitos cidadãos, o Judiciário deixou de ser uma instituição imparcial, tornando-se um espaço onde interesses particulares podem prevalecer sobre a equidade e o direito.
O Estado de Exceção na Prática
O conceito de estado de exceção, originalmente teorizado como uma medida temporária para crises emergenciais, tem se tornado uma prática comum em democracias modernas. A pesquisa menciona casos como a aplicação de medidas de vigilância ampliadas após os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos e a adoção de medidas rígidas de segurança em vários países europeus após atentados terroristas.
No Brasil, a pandemia de COVID-19 também trouxe à tona uma série de decisões judiciais que, segundo o estudo, exemplificam o uso do estado de exceção para justificar a suspensão de direitos fundamentais. A suspensão de atividades comerciais e o impacto econômico gerado por essas decisões foram analisados no estudo, revelando que, embora as medidas de restrição fossem necessárias, a falta de uma abordagem uniforme e adaptativa por parte do Judiciário aumentou a sensação de injustiça e incerteza entre comerciantes e empresários.
A Crise de Legitimidade do Poder Judiciário
Outro ponto destacado pela pesquisa é a crise de legitimidade que o Poder Judiciário enfrenta como resultado dessas práticas. A deslegitimação ocorre quando os cidadãos não conseguem mais ver o Judiciário como uma instituição justa e imparcial. Em uma democracia, a legitimidade das instituições é fundamental para garantir o respeito às leis e à ordem social. No entanto, quando o Judiciário é percebido como corrupto, parcial ou distante da realidade dos cidadãos, essa legitimidade é severamente comprometida.
Os resultados da pesquisa indicam que 36,9% dos entrevistados não confiam no Judiciário e outros 29,2% se mostram indiferentes. Somente 33,8% dos participantes afirmaram ter confiança no sistema de justiça, um número que, segundo os pesquisadores, revela uma necessidade urgente de reformas para restaurar a credibilidade da instituição.
Reformas e Medidas de Prevenção
Para combater o abuso de poder judicial e restaurar a confiança pública, o estudo propõe uma série de medidas de controle e prevenção. Entre elas, destacam-se o fortalecimento da transparência nas decisões judiciais, a transmissão pública de audiências e a criação de mecanismos de fiscalização mais robustos, tanto internos quanto externos ao Judiciário.
Outro ponto central é a educação contínua dos profissionais da justiça. A pesquisa sugere que o treinamento em direitos humanos e transparência pode ajudar a evitar abusos, promovendo uma cultura de responsabilidade dentro do Judiciário. Além disso, é recomendada a participação popular, com a criação de conselhos de cidadania que possam monitorar a atuação judicial e oferecer feedback sobre decisões controversas.
O Caminho para a Justiça
O estudo conclui que o abuso de poder judicial, aliado à normalização do estado de exceção, é um dos maiores desafios para a manutenção da justiça e da equidade nas democracias contemporâneas. Enquanto o Judiciário continuar a agir de forma arbitrária, sem controle adequado, o estado de direito permanecerá em risco.
No entanto, os autores do estudo acreditam que ainda há tempo para mudanças. Com as reformas corretas, é possível restaurar a confiança pública e garantir que o Judiciário cumpra seu papel essencial de guardião da justiça, protegendo os direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de sua posição social ou econômica.
Da Redação Na Rua News
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